TEXTOS E DEPOIMENTOS

A impressão que tenho é a impressão do primeiro pé na areia da praia. Há milhares de anos. A impressão que tenho, é a impressão do primeiro passo na luz.Uma imagem já velha. É a impressão da primeira mão impressa na parede. É a primeira fumaça no olho e na parede, e não tanto a utilidade do fogo. A impressão que eu tenho do Rogério é a impressão que o Rogério faz de um pássaro suicidado prematuramente.De flores assassinadas por passos que evoluíram e brutalmente se uniformizaram para a indiferença. Marcharam. A minha impressão é a de que o Rogério expressa a brutalidade com que fomos e somos pisados prematuramente e para sempre. E expressa essa natureza impressa na ingênua e genial natureza com que os pássaros explodem naturalmente. Explodem com frágil e absurda ingenuidade. Fina e quebradiça revolta. Tímida angustia, lágrima, ninho alagado.

” Rogério era um menino levado que passava o dia inteiro armando arapucas para apanhar passarinhos. A mãe dele dizia:venha já pra dentro. Ele dizia, já vou, mãe, e continuava montando as suas armadilhas para pegar passarinhos. Cada dia, ele pegava um, coleiros, sanhaços, sabiás, canários, até uma curruíra ele pegou um dia. A Casa dele vivia cheia de gaiolas com todos os tipos de passarinhos. A mãe não gostava, o pai ficava olhando meio assim. E de manhã era aquele escândalo, aquela passarinhada toda cantando cada um o hino do seu time,ninguém se entendendo. Mas o Rogério entendia. Ele ficava horas olhando pros passarinhos, praqueles olhos espantados que todo passarinho tem, olho de aviador na tempestade. O pulinho do poleiro pra tigela de arroz e alpiste. Aquele jeitinho doce de bicar debaixo da asa, como quem vai mergulhar pra dentro de si mesmo. A picardia de toureiro ao levantar o pescoço para dizer um piu-piu qualquer. Aquelas coisas rápidas e incompreensíveis que todo o passarinho faz. Um dia, as portas das gaiolas se abriram, e todos os passarinhos voaram, se dissolvendo no azul. Rogério ficou muito triste. Pegou um lápis, e começou a desenhar tudo o que ele tinha aprendido com os passarinhos.] Hoje, o Rogério faz muitas coisas. Mas ninguém desenha feito um passarinho que nem ele. “

Lente de Contato: Uma asa de borboleta no giro de um caleidoscópio, uma janela insólita renascentista, obsessivos pássaros com uma linearidade de uma garatuja, e estas naturezas mortas inacabadas, afinal não comportadas como no clichê, mas reticentes nas frutas sobre a mesa, o vaso o bule, ânfora e os pássaros – ah mais sutis do que os oníricos de Hitchcock – que se empoleiram como signos cuneiformes e hieroglíficos e mostram mais vida do que as chatíssimas gregas de dois e três tempos, as gregas romanas. Saio da exposição de Rogério Dias com a sensação de que me botaram uma lente de contato nos olhos com a força da arte dos vitrais de igrejas. E lá no fundo da sala este mago – com aquela cara do Daniel Boone da série de televisão – o jeito humilde de quem nada tem a ver com tanta fantasia. Há uma definição precisa sobre arte – “transfiguração da realidade” – que se capta inteira na mostra do Rogério, maior sucesso do ano como itinerário, inovação e vendas. Pablo Neruda fez uma ode a cebola, Rogério as produziu em telas e panos para Legumes e Verduras. (Correio de Noticias – 12/07/1985)

Há muitos anos, há uma revolução nas artes plásticas do Paraná e que certamente bem poucos percebem. E um dos maiores revolucionários dessa ponta de lança, mais do que contemporânea – a criatividade está sempre à frente de seu tempo – é o artista Rogério Dias. Pude perceber essa centelha de genialidade já na inquietude do artista gráfico Rogério Dias, na década de 70,quando ele era o editor de arte da excelente revista “Passarola”, que marcou época no Brasil e também no exterior, pois a revista circulava nos vôos internacionais da Varig, pelos cinco continentes. Aprendi a gostar de Rogério no movimento-denúncia por ele liderado na série de pássaros (com aproveitamento de “sucata” de nossos bosques ele criava esculturas num protesto contra a extinção de nossas matas e nossos pássaros). Rogério nasceu na cidade mágica de Jacarezinho, pinta desde os 12 anos de idade e alguns de seus primeiros trabalhos foram realizados com os restos de material que o famoso “Sigaud” empregava na pintura dos murais da igreja matriz de Jacarezinho. A maturidade de Rogério Dias tem a resposta certa na valorização de sua arte. Nem por isso deixando de ser jovem e revolucionária a sua arte. Não sou crítico de arte mas acompanho todos os movimentos das artes plásticas do Paraná, há mais de 30 anos. Por isso, posso dizer e assino em baixo: Rogério Dias expressa uma renovação ansiada por todos.”

“Baseio-me na história da arte, e daí o Rogério entra, porque ele faz parte da minha história, da minha vida inclusive, porque conheço o Rogério desde a adolescência, e ele sempre foi uma pessoa influente pra mim, por causa do comportamento e por causa do talento dele. A não aceitação de facilidades econômicas ou artísticas, soluções formais fáceis. O trabalho do Rogério tem uma dinâmica que é pessoal que é própria, então nesse ponto ele não deixa o trabalho dele ser determinado por circunstâncias externas. Se o trabalho é aceito ou não, isso é outro problema. Se for aceito melhor, se der dinheiro, melhor, mas isso não é determinante, e isso que eu acho respeitável”.
“O trabalho do Rogério tem uma dinâmica que é pessoal que é própria, então nesse ponto ele não deixa o trabalho dele ser determinado por circunstâncias externas. Se o trabalho é aceito ou não, isso é outro problema. Se for aceito melhor, se der dinheiro, melhor, mas isso não é determinante, e isso que eu acho respeitável”.

“Baseio-me na história da arte, e daí o Rogério entra, porque ele faz parte da minha história, da minha vida inclusive, porque conheço o Rogério desde a adolescência, e ele sempre foi uma pessoa influente pra mim, por causa do comportamento e por causa do talento dele. A não aceitação de facilidades econômicas ou artísticas, soluções formais fáceis. O trabalho do Rogério tem uma dinâmica que é pessoal que é própria, então nesse ponto ele não deixa o trabalho dele ser determinado por circunstâncias externas. Se o trabalho é aceito ou não, isso é outro problema. Se for aceito melhor, se der dinheiro, melhor, mas isso não é determinante, e isso que eu acho respeitável”
TEXTOS
1998 – Eloi Zanetti
A Melhor definição sobre o Rogério Dias quem já deu foi o Solda: “O Rogério Dias não é um…São vários”. Existem muitos. Eles estão disfarçados, e as vezes se juntam em uma só pessoa. Com a arte de Rogério Dias passei por uma das mais incríveis experiências de sensibilidade da minha vida. Há alguns anos o Rettamozo me reapresentou o Rogério Dias e ele me mostrou o trabalho que fazia.
Eram pássaros feitos com tocos de lenha. No mesmo instante meu pensamento voou para a minha infância, minha cidade, meu ambiente. Eu disse a ele: “Puxa isto aqui é muito forte. Está me transmitindo todo o meu passado, cheiro de terra, de mato, de natureza da cidade onde fui criado”.
Ele me perguntou: – “De onde você é?
”Eu disse:- “De Jacarezinho”.
O Rogério ficou mudo, deu um passo para trás e disse: – “Também sou de Jacarezinho”.
Ele havia conseguido transmitir num simples pedaço de lenha, ajustado para a forma de um pássaro, todo o meu ambiente de infância. Mais tarde, através de minha mãe fui descobrir que éramos vizinhos de cerca. Precisa dizer mais?
2004 – César Bond
Panos Planos Plenos Pássaros
Esqueça o celebralismo de Braque e Picasso e suas intersecções de tantos planos. Rasgue um pedaço de pano e dele faça retalhos horizontais de sensações. Como quem metamorfoseia em escrita ideográfica as anotações musicais de um pentagrama. Esqueça a lei da frontalidade e desobedeça a valores visuais da separação espacial. Permita aos pássaros que te olhem a um só tempo de frente e de perfil. Você vai ver: destes espaços-retalhos multidimensionais vão aflorar flores, subir cores, voar pássaros e pronto: quem voa é você. De tão visto, lido, e memorizado, Rogério parece estar colado ao chão vermelho do Norte Velho e à urbanidade dessa Curitiba que a poucos assiste e a todos engole. Mas este é apenas um dos Rogérios, e é uma atitude covarde esta a de reduzi-los.
Difícil é decifrar esta incrível dialética que faz da lógica um mero jogo de amar e desamar. Esta fina e quebradiça e grossa e resistente revolta tímida desses Rogérios a nos desvendar mais crianças a cada dia. E ao final de tantas idas e vidas, fica a genialidade com que esses Rogérios fazem explodir (com absurda ingenuidade) as matizes desses pássaros precocemente brutalizados. Quem são esses Rogérios? Responder “são esses pássaros” é, em parte, uma verdade. Mas a cada pássaro que explode em cores percebe-se o quanto há de covardia nessa nossa atitude de simplificar a brutalidade. Uma pista tímida: os Rogérios são doces
2003 – Rafael Greca
Texto usado pelo laboratório Aché
Curitiba e o Paraná tem orgulho de Rogério Dias. Seus pássaros mágicos, nascidos do impulso, criados com ar, como se feitos de sopro de tinta, são eternizados em acrílico sobre tela, e também em azulejos. Uma vez prefeito da nossa cidade, lhe pedi que retratasse o curso do Rio Iguaçu. O resultado nasceu magnífico. Hoje resplandece na praça que dá acesso ao MON – Museu Oscar Niemayer, o esplêndido painel de azulejos “Rio Iguaçu”, uma das principais atrações da nossa bela cidade. Miríades de pássaros multicoloridos, borboletas azuis e amarelas, lontras, onças pintadas, quatis, sibipurunas, ipês, canafistulas, enfim, toda a maravilha tropical de berço do rio das cataratas, na sua marcha desde a serra do Mar onde nasce, até o oeste, na sua gloriosa foz. É retratada pelo artista com genialidade.
Rogério Dias nasceu entre os cafezais, em Jacarezinho em 1945, quando o mundo saia da guerra, e erguia a abençoada bandeira da paz. Jacarezinho, primeira cidade do norte pioneiro do Paraná, é terra de artistas. Ali Eugênio Sigaud, companheiro de Portinari, pintou nos muros da imponente Catedral sua saga de fé humanista. Ali Quincaju, velho mestre da minúcia, ousou fazer esculturas de madeira, e falar em modernismo. Ali também o CAT – Conjunto de Amadores de Teatro empolgou toda uma geração de jovens na arte de abrir as mentes para os novos horizontes da liberdade criativa.
Com esta informação, Rogério Deixou o berço. Mesmo a avançada Jacarezinho o considerou “comunista”. E felizmente para nós, já há 38 anos, desenha, cola, pinta e borda em Curitiba. Onde mantem um ateliê nas Arcadas das Ruinas de São Francisco. Seu gesto criador pertence ao acervo da cidade de Curitiba. Seu gesto criador pertence ao acervo da cidade de Curitiba. É seu o quadro “300 gralhas Azuis”. Nós o encomendamos para a coleção dos 300 anos de Curitiba. Assim recordamos para sempre o nosso MUMA-Museu Metropolitano de Arte – o pássaro plantador de pinhais. Isto é, das araucárias. Pois o nome Curitiba significa, na linguagem indígena, “muito pinhão”.
“Aquilo que não se compartilha se perde”, ensinam os vedas. A antiga sabedoria vai aqui aplicada pelo Aché. Esta gravura evocativa da necessidade de se preservar a vida sobre a terra, de se respeitar a natureza, compartilha com o Brasil inteiro um dos melhores artistas de Curitiba. A terra é sagrada, pois sagrados somos nós, seus filhos. Que as aves do céu de Rogério Dias, na sua simplicidade, a voar em oxigênio e tinta azulada, nos ajudem a compreender e a lutar por isto.
2006 – Elói Zaneti
VEM PASSARADA
Há 1.680 espécies de pássaros no Brasil e outros tantos nos quadros de Rogério Dias. Este conterrâneo, quase amigo de infância, retrata como ninguém o calor, as cores e a vibração da Terra Brasilis. Só um menino do interior, descalço com embornal a tiracolo, cheio de bolotas e estilingue na mão poderia pintar pássaros. Ele era tão ruim em mirar passarinhos que um dia, não tendo caçado nada, deixou a arma de lado e de ex-pretenso-caçador passou a pintá-los.
Rogério captura os pássaros imaginários que vivem dentro de nós e os leva para as telas. É por isso que gostamos tanto de seus quadros. E eles, os pássaros em bandos, gostam quase sempre de estar ali, coloridos, vibrantes, alegres e bem tratados, gerados pelas rigorosas e macias pinceladas do artista.
Há nos quadros de Rogério Dias, textura e composição com força suficiente para que aconteça um fenômeno físico inexplicável: seus quadros reproduzem o barulho dos pássaros nos finais de tarde. Como música, verdadeiras sinfonias de pardais anunciando o anoitecer. Percebo isso cada vez que fico em silêncio ao lado de uma obra sua. È um chilrear gostoso, desordenado acariciante aos nossos ouvidos.
As pessoas perguntam – por que Rogério só pinta pássaros? – Ora, por que é a missão dele. Nasceu com este chamado, com esta vocação. Rogério Dias, profissão: passarinheiro. Não sei se vocês sabem, mas para cada pássaro solto no ar existe um contratipo em algum quadro do Rogério. Como os pássaros não param de se reproduzir, sua missão dele é quase eterna. Ele já fazia isto no céu antes de vir para cá. Quem sabe se na próxima vida não irá pintar borboletas.
Pode ser esta a vontade Dele, do criador. Que dirá baixinho ao ouvido deste anjo chamado Rogério:
– “Filho, chega de pintar pássaros, outro vai tomar o seu lugar, agora quero que você pinte borboletas.”
A partir deste dia teremos belos quadros de borboletas, de todas as cores e formatos. Mas isso só para daqui a muito, muito tempo.
2011 – Emir Calluf Filho
Acredito que o estado do Paraná tem no Rogério, um dos maiores artistas de todos os tempos, que seguramente, além de marcar para sempre gerações inteiras, ditou uma nova tendência na cena artística do Paraná, e porque não, do Brasil.
A beleza do seu trabalho está justamente na sua capacidade ímpar de unir as mais variadas cores com traços simples, porém precisos, que resulta num trabalho brilhante, capaz de tocar o interior de cada um de nós, enchendo os olhos dos mais jovens de magia e dos mais velhos de esperança.
Como poucos, Rogério Dias, foi capaz de criar por meio de sua arte, traços únicos, quase que uma marca registrada, considerando que seus quadros são a perfeita expressão da genialidade: a fantástica proeza de se atingir uma originalidade inesgotável sobre uma mesma temática.
Como admirador da sua arte e colecionador dos seus quadros, ouso dizer que a criatividade do seu trabalho está longe de acabar; como todos os grandes gênios da humanidade, acredito que o melhor ainda está por vir!